ESPECIAL – APPS DE TRANSPORTE E A CADEIRINHA INFANTIL: IMPASSE REGULAMENTAR
Publicado em: 27/12/2019

 

Motoristas de aplicativo enfrentam dilema em possuir ou não o produto. Famílias com crianças sofrem por falta de amparo. Afinal, aplicativos são ou não liberados do uso de equipamentos de segurança para crianças?

 

Os motoristas de aplicativos de viagens não são obrigados a possuir cadeirinhas infantis. Pelo menos não recebem essa ordem das empresas. Assim, muitos desses profissionais estão dispensando corridas onde seria necessário o uso do objeto de segurança ou ainda, transportando crianças sem o devido cuidado. A opção para as famílias que necessitam de um serviço especializado são serviços específicos de transporte.

 

A alegação maior por parte dos motoristas que recusam adultos que pretendem fazer viagens com crianças é de que não são obrigados pela empresa a ter a cadeirinha para ser instalada no banco traseiro e não fazem o investimento principalmente pela falta de espaço para guardar o equipamento e pelo alto custo. O dilema para quem está trabalhando fica entre recusar uma corrida e perder o dinheiro ou aceitar e correr o risco, pois há um limite de cancelamentos, uma porcentagem controlada pela empresa.

 

‘’A Uber não diz se é obrigado ou não usar. Ela deixa claro que nós podemos ser punidos. A escolha fica com o motorista. Porém, eles dizem que somos um serviço de transporte, assim como o Taxi. De outra modalidade, mas não deixa de ser. Eu costumo dizer, quando sou perguntado, que a obrigação é de quem está com a criança. Por que, como eu vou ter três assentos diferentes? Ocuparia o espaço do porta-malas todo e muitos passageiros precisam desse espaço’’, diz Wellington João, parceiro da Uber.

 

Como diz Wellington, há três tipos de assentos para crianças de diferentes perfis, o que inviabiliza ainda mais esse investimento para os motoristas de aplicativo. Com isso, acabam recusando corridas desta natureza como forma de prevenir um acidente sem o uso da cadeirinha e ser penalizado com multas, ou em casos mais graves.

 

Cabe destacar que quanto mais nova a criança, mais frágil é o seu corpo, e assim necessita de cuidados preventivos especiais. Segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) o uso de equipamentos de segurança por crianças reduz em até 80% as chances de morte por acidentes no trânsito.

 

 

 

Condutor

 

Apesar da Política de Mobilidade Urbana regulamentar a Uber, o cadastrado tem, ainda assim, que seguir as normas do Contran (Conselho Nacional de Trânsito), que prevê crianças de até sete anos e meio ou 1,45 cm de altura usando dispositivo de retenção, sob a pena de ser punido de acordo com o artigo 168 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), infração gravíssima, com multa de R$ 293,47, sete pontos na CNH e medida administrativa de retenção do veículo até que seja regularizado.

 

Mais do que isso, como prevê a legislação de trânsito brasileira, o condutor de um veículo é o responsável pela segurança de todos os demais passageiros.

 

Segundo a Resolução 277 do CONTRAN, os veículos de transporte privado, como a Uber, se enquadram na mesma obrigatoriedade para o transporte automotor convencional até que haja alteração, onde é necessária a retenção das crianças com o aparelho indicado, diferentemente de outros segmentos de transporte, como declara o Denatran:

 

‘’Nos termos do parágrafo terceiro do Art. 1º da Resolução CONTRAN 277/2008, as exigências relativas ao sistema de retenção, no transporte de crianças com até sete anos e meio de idade, não se aplicam aos veículos de transporte coletivo, aos de aluguel, aos de transporte autônomo de passageiro (táxi), aos veículos escolares e aos demais veículos com peso bruto total superior a 3,5t’’.

 

No entanto, baseado na própria resolução acima, a Uber se vê livre do uso do aparato:

 

‘’As exigências de implantação de sistemas de retenção não se aplicam aos veículos utilizados no transporte individual de passageiros, como é o caso dos motoristas parceiros da Uber’’.

 

 

Novo Projeto de Lei

 

Neste ano, porém, foi enviado pela presidência da república, um projeto de lei que exclui, em um de seus artigos, o pagamento de multa para qualquer condutor que deixar de transportar crianças de forma adequada, como é previsto atualmente. Ao invés da arrecadação do valor estipulado atualmente, seria feita apenas uma advertência por escrito. As demais punições como pontos na CNH, permanecem.

 

Cadeirinhas

 

Apesar de se chamar de um modo geral de ‘’cadeirinha’’, dentre os tipos que as crianças devem usar, existem: o bebê-conforto, as poltronas reversíveis e o assento de elevação (boosters). Desses três, apenas a segunda – usada por mais tempo, é de fato uma espécie de cadeira. Os tipos variam de acordo com o peso, idade e tamanho das crianças.

 

O bebê-conforto é indicado para recém nascidos. Após esse período, é necessário ser usado a poltrona reversível até os quatro anos ou mais de 1,45cm, quando a criança passa a usar o assento de elevação. Nele, o (a) garoto (a) apenas tem a sua altura elevada para usar o cinto comum do carro e permanece até os sete anos e meio viajando desta forma. Somente aos dez anos, a criança pode andar no banco da frente.

 

 

Custo para os motoristas

 

Sendo assim, possuir os três objetos levaria a um custo considerável. Além do mais, como o motorista saberia qual tipo de criança irá transportar e, principalmente, como ter fácil acesso aos distintos tipos de cadeiras? Vale lembrar que eles atuam por localização em tempo-real e, em muitos casos, não possuem espaço nos próprios carros para ter os itens. Podem também se deparar com mais de uma criança, sendo necessários assim, dois equipamentos ou mais.

 

Por outro lado, os adultos que pretendem se locomover com crianças, quase que unanimemente não desejam levar suas próprias cadeirinhas, quando as possuem:

 

‘’Na minha opinião o motorista que deveria ter a cadeirinha. Se eu estou chamando o serviço é por que não tenho carro. Eles deveriam ter pelo menos no porta malas’’, diz Isabella Coelho,19, recepcionista.

 

Pedro Marcelo, analista de atendimento, de 23 anos e pai de uma filha de 1 ano enfatiza: ‘’Eu e minha esposa andamos sempre com o bebê conforto para minha filha para ficar mais fácil’’, porém, também acredita que a cadeirinha para crianças acima de um ano deveria ser de responsabilidade dos motoristas.

 

Quanto a isso, a Uber declara:

 

‘’É importante que os pais assegurem que as crianças abaixo de 10 anos andem no banco traseiro de passageiros e estejam com os cintos de segurança afivelados. Ao utilizarem o serviço dos motoristas parceiros da Uber, os pais de bebês e crianças com menos de 7 anos e meio que assim desejarem podem utilizar seus próprios equipamentos de sistema de retenção, conforme a idade’’.

 

 

Crianças passageiras

 

Segundo o público da Uber é difícil levar crianças nas viagens porque os motoristas dificilmente têm as cadeirinhas e têm medo de serem multados por estarem infringindo a lei sem ela. Por isso, os usuários acabam viajando sem a retenção com quem aceita, mesmo colocando em risco a criança.

 

Dada essa dificuldade, alguns clientes do serviço sugerem a criação de uma categoria ‘’Kids’’, para carros que contam com o dispositivo de segurança, assim não haveria chance de erro. Exemplo interessante é o aplicativo ‘’BabyPass’’, em operação deste 2018, e que atua no transporte de crianças, com equipamentos de segurança adequados.

 

No entanto, a idéia não é vista com bons olhos por Wellington João, motorista da Uber.

 

‘’A Uber poderia colocar uma categoria para atender quem tem crianças, no entanto o valor seria elevado, pois seria mais difícil achar um carro com o que é esperado. Não seria tão prático. Demoraria mais (para o veículo solicitado chegar) e o valor seria mais alto. Não sei se o público iria aderir a isso’’.

 

 

Nesse caso temos um impasse. Com uma regulamentação desatualizada nesse sentido, a ambiguidade persiste. Por que o Taxi e os veículos de transporte coletivo podem levar crianças sem cadeirinha e o Uber não? Política Nacional de Mobilidade Urbana ou Contran? A brecha na legislação permite diferentes interpretações por parte das autoridades estaduais e municipais.

 

Segundo o Denatran: ‘’A Política Nacional de Mobilidade Urbana não libera essa categoria (Uber) do uso das cadeirinhas’’ e a solução seria ‘’alterar o normativo que trata sobre o tema, que está sendo analisado pela Câmara Temática de Esforço Legal, órgão de assessoramento técnico do CONTRAN’’. 

 

O empecilho deste caso é que à época da edição da Resolução nº 277, em 2008, o serviço de transporte por aplicativos ainda não era utilizado no Brasil, desta forma, a decisão não incluiu tais veículos na liberação do uso do dispositivo de retenção.

 

Após passar por mudança de ministérios com o novo governo e pertencer atualmente ao Ministério da Infraestrutura, o DENATRAN acrescenta que a Resolução nº 533/2015 do CONTRAN, também não contempla os veículos de transporte autônomo de passageiros em que se enquadraria a Uber. Com isso, o que prevalece ainda é a Resolução nº 277/2008.

 

Assim, a decisão de escolha acaba com o condutor, que na maioria dos casos, age com receio de acabar sendo enquadrado na regulamentação convencional. Fato é que alguém acaba sempre saindo lesado na história. Família com crianças ou os próprios motoristas trabalhadores.